sexta-feira, 8 de junho de 2007

Crítica Imóvel

Imóvel em movimento?
Aguinaldo de Souza 1

O espetáculo Imóvel, produzido pelo NúcleoVazantes 2, parte de várias fontes culturais para apresentar, na cena, uma síntese pessoal que o grupo – e cada artista do processo – faz do universo pesquisado. Neste sentido, cada seqüência se transforma numa representação condensada e rica em simbologias. A ocupação do espaço cênico, apesar de utilizar-se do palco tradicional (nossa caixa preta), realiza-se de modo singular, as oposições entre frente/fundo sugerem perspectivas interessantes, sugerindo, muitas vezes, um passeio por lugares outros, contribuindo para o aparecimento de um certo clima místico. Este “clima místico” vai aos poucos constituindo nuances de uma religiosidade e de uma crença no humano, que as atrizes constroem na densidade de seus corpos, num trabalho de concentração da energia que está presente em toda a obra, quer na economia de um gesto, quer na explosão de um salto ou queda.O roteiro é entrecortado por momentos de naturalidade e de estilização, trazendo referências textuais, processos de mímese e também jogos nitidamente improvisacionais. Característica esta que mantém, mesmo dentro de uma estrutura convencional, o espaço para a recriação do espetáculo, para um salto sobre a própria sombra.Chamar de Imóvel a este espetáculo parece algo paradoxal, pois o fluxo de movimento é a tônica do mesmo. A presença cênica dilatada das atrizes, a direção atenta e a precisão dos recursos cênicos são os pontos principais deste trabalho, que marca um bom resultado de um processo de pesquisa que pode e deve ser estimulado. Uma prova de que precisão e cuidado com a partitura não engessam o processo criativo, mas dão segurança para que o artista possa mover-se.
IMÓVEL
Ficha Técnica Direção: Eduardo AlbergariaAssistente de Direção: Daniela SoutoAssistência Corporal: Rosana BaptistellaTreinamento de Cavalo-Marinho: Daniela Souto Com: Erika Cunha Karina Yamamoto Natacha Dias Paula CarraraAutoria: Núcleo VazantesFigurinos e cenografia: Núcleo Vazantes Fotos: Patricia AraujoIluminação: Eduardo AlbergariaArte do cartaz: Eduardo Albergaria e Chris Piana

1 Doutorado pela UNESP/SP, Professor do Departamento de Música e Teatro da UEL/Londrina - PR, Coordenador do Grupo de Pesquisa “Indícios do corpo pós-moderno”.
2 Grupo formado em 2001, a partir de trabalho de alunos do curso de artes cênicas da ECA-USP, envolvendo seus trabalhos de conclusão de curso e pesquisas de iniciação científica, passando ao trabalho profissional. O grupo tem formação e trabalhos com base em processos de Antonio Januzelli e do grupo LUME.

ne me quitte pas

Palavras sobre a encenação:
Manifesto por um Teatro Frágil”
O teatro está cansado de vontades. O teatro está cansado de atores preocupados com o próprio brilho e com a própria genialidade. O teatro está cansado de deixar que o espectador adormeça nas poltronas encantado com a magnificiência de um ator ou um diretor.
É preciso ser fraco. É preciso ser humano. O teatro, se ainda tem alguma função, é de mostrar ao espectador o quanto se é fraco, é purgar em si a fragilidade do público. Não se pode querer. Não se pode premeditar. O teatro frágil é construído a partir do olhar do espectador e do seu pedido por socorro. O ator é apenas o instrumento de contato, o sacerdote, o meio pelo qual o indivíduo se reconhece.
O teatro precisa recuperar o seu carater sagrado - tanta gente já disse isso, mas ele continua a precisar – retirar o espectador de seu tempo e espaço e transportá-lo a um universo primordial, a sensações e instintos esquecidos dentro de si.
Não se trata de impor, se trata de abrir a porta com cuidado e deixar que o espectador decida a hora em que quer entrar. O ator expôe a sua solidão, convida o público a compartilhar dela, deixa que ele perceba a sua dor. Não há espaço para representação. Não há espaço para máscara. O ator que se esconde atrás de outro é antes de tudo um covarde.
O teatro só pode recuperar sua força quando deixar de ser uma arte egocêntrica. (Mauricio Veloso, São Paulo, 18 de agosto de 2005)

imóvel

“IMÓVEL” é um espetáculo contemporâneo, em que as linguagens do teatro e da dança se intercalam e se contaminam. Busca inspiração no universo popular, muitas vezes perpassando o religioso, em especial o católico.
Apresenta uma estrutura dramatúrgica não linear, e não tem como principal preocupação retratar locais pesquisados nem personagens encontrados, mas seus conflitos internos.
A luz é também o cenário, definindo o espaço particular e o “corredor comum” e, quando necessário, “criando” novos mundos, pequenas fugas de um cotidiano fatigante. Um tímido narrador que ajuda a contar a história, propondo ao espectador um caminho para encontrar a saída dessa casa que abriga e oprime.

Vazantes

“Vazantes...” é um espetáculo que possui uma estética contemporânea, unindo elementos do universo cultural popular e trabalho técnico baseado em dança brasileira, tendo os integrantes do grupo encontrado nos mestres populares a “inteireza” que necessitavam como artistas.
Apresenta uma estrutura dramatúrgica não linear, porém há uma seqüência de acontecimentos onde imagens e movimentos tecem uma história para cada um dos espectadores.
“Vazantes...” é construído subjetivamente, conduzindo o público pela via sensorial, trabalhando com diferentes nuances - movimentos sutis e amplos intercalam-se - possibilitando aos personagens desdobrarem-se em muitos ou em muitas facetas dos mesmos, ora interagindo um com o outro, ora sozinhos e ora com o público. O espetáculo não retrata as comunidades pesquisadas, tampouco pessoas específicas, ele expõe situações que possibilitam ao espectador reconhecer-se.
Em cena, os personagens “festam”, dançam e contam suas histórias, refletindo sobre os antagonismos da vida humana. Obscuridades como a solidão e a morte incompreendida contrastam com a leveza da festa, a esperança e a alegria de viver, expressas em corpos que dançam o sagrado, o lúdico e o carnal, despertando a identificação de quem o assiste.